“Chame a Frida” fatura prêmio Innovare 2021

Com um aparelho de celular e sem recurso financeiro, Ana Rosa Campos criou a Frida, aliada importante da mulher vitima de violência doméstica (foto: Divulgação Instituto Innovare)

Apesar do avanço na legislação que persegue e pune os agressores, as vítimas de violência contra a mulher ainda enfrentam um tortuoso e longo caminho para serem ouvidas: as dificuldades vão desde ausência de estrutura, como delegacias especializadas, equipes qualificadas e horário de atendimento restrito), até o controle exercido muitas vezes pelo agressor sobre a vítima, que pode ser emocional e financeiro.

Em áreas rurais, esses fatores são agravados pela distância e tolerância social à violência doméstica. Os recursos são esparsos e a demanda e a urgência são intensas. A construção de infraestrutura para atendimento das vítimas e qualificação da mão de obra para lidar com casos delicados é um processo longo, mas as mulheres precisam de ajuda imediata. A subnotificação de registros de violência contra mulher torna ainda mais desafiador que sejam elaboradas políticas públicas para proteger mulheres vítimas de violência (bem como políticas públicas que atuem na prevenção).

Para combater esse quadro, notadamente agravado pelo isolamento social e a pandemia, surgiu a iniciativa Frida – Atendente Virtual da Delegacia da Mulher, em Manhuaçu (MG). O trabalho, desenvolvido pela equipe da Polícia Civil da cidade, tendo à frente a escrivã Ana Rosa Campos, foi escolhido pelo Prêmio Innovare como uma das vencedora de sua 18ª edição, na Categoria Justiça e Cidadania.

Há 18 anos, o Prêmio Innovare destaca as boas iniciativas da área jurídica, idealizadas e colocadas em prática por advogados, defensores, promotores, magistrados e por profissionais interessados em aprimorar a Justiça brasileira, facilitando o acesso da população ao atendimento.

Desde a criação do aplicativo já foram feitos 1.200 atendimentos e segundo Ana Rosa, não houve mais casos de feminicídio na cidade.

“Em Minas Gerais existem apenas 73 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam) e apenas uma Delegacia da Mulher, em todo o estado, atende em regime de plantão”, conta Ana. “O chatbot Frida salva vidas de mulheres e diminui casos de violência doméstica. A prática não custou praticamente nada aos cofres públicos e mostrou muita efetividade no que se propõe”, completa.

A notícia da seleção para o Innovare repercutiu positivamente e o projeto de instituição do serviço em todo o Estado de Minas, com o apoio governamental, foi aprovado, em primeira instância, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O Projeto de Lei 2.149/2020, denominado de “Chame a Frida”, agora segue em tramitação para votação em segunda instância. Atualmente o serviço já funciona nas delegacias de Polícia Civil em Manhuaçu, Ipatinga, Coronel Fabriciano, Betim e Lagoa Santa. Em breve, também será implantado em Barbacena e Ouro Preto.

Iniciativa foi defendida pela ministra Grace Mendonça, durante a reunião da Comissão Julgadora

Durante a reunião da Comissão Julgadora para escolha dos finalistas, a responsável por apresentar a prática aos participantes foi a ministra Grace Mendonça. Ela destacou a importância da prática no sentido de proteger o sigilo das mulheres, que muitas vezes se sentem ameaçadas por seus maridos ao voltarem para casa após uma visita presencial à delegacia.

“Em cidades pequenas as mulheres são vítima de agressão assim que chegam em casa, porque o marido já ficou sabendo que ela esteve na delegacia”, disse.

A ministra também destacou o relato do consultor sobre o caso de uma criança de 9 anos que salvou a própria mãe utilizando o aplicativo.

“Há uma referência um relato de um consultor de um caso muito expressivo, de uma criança de 9 anos de idade que acessou aplicativo em uma região rural e relatou que mãe estava sendo vítima de violência pelo seu padrasto e a viatura chegou em tempo para levar o padrasto preso em flagrante”, contou. Grace Mendonça destacou, ainda, a função de áudio do aplicativo, que permite o acesso mesmo às mulheres não alfabetizadas, através de gravações em áudio.

“Portanto, o Frida é uma iniciativa importante, que vem atendendo mesmo os municípios mineiros e que já se revelou eficiente”, finalizou.

Ministro Dias Toffoli reconheceu a tecnologia mineira da Frida, como essencial para combater a violência contra a Mulher (foto: Reprodução Instituto Innovare)

Como funciona o aplicativo Frida?

A ferramenta possibilita atendimento às vítimas de violência doméstica a partir de uma simples mensagem de WhatsApp. Por meio de um chatbot (programado para dar soluções às diversas solicitações, principalmente às mais urgentes e comuns), a mulher trava conversação com a atendente virtual. Em alguns casos, ela é direcionada para conversar diretamente com um policial civil.

Frida é uma assistente virtual que realiza atendimento imediato à vítima: acolhe a denúncia, esclarece dúvidas, faz uma avaliação preliminar do risco e aciona a polícia em situações de flagrante, inclusive enviando uma viatura (quando a vítima não consegue acionar o 190).

“Vivemos em uma época de popularização dos smartphones, existindo atualmente quase dois aparelhos por cidadão no Brasil. Por isso um aplicativo leve é uma solução viável para levar maior facilidade de atendimento às meninas e mulheres”, conta Ana Rosa. “Se somarmos todas as mulheres que buscaram a Frida nas cidades que já contam com a ferramenta, já são mais de 1200 atendimentos desde o início da implementação. Com o isolamento social imposto pela pandemia, o telefone celular passou a ser uma janela – às vezes, a única – para o mundo, afirma.

Além da policial Ana Rosa, também participam da autoria do projeto os policiais Adeliana Xavier Santos, Carlos Roberto de Souza Silva, Raiane Ferreira Coelho, Rayane Mara Nunes, Stephanie Adriene Silva Mendes Martins, Sara Assis e Camila Brito Fernandes Lemos.

Como foi o processo de implantação da Frida?

A ideia surgiu na terceira semana de março e, no dia 6 de abril de 2020, a atendente virtual Frida já estava funcionando em Manhuaçu, com ampla divulgação. A única despesa foi um aparelho celular que foi doado por um entusiasta do projeto. Em seguida, foi adquirida uma licença de uma empresa de chatbot pelo valor de R$ 29,90, custeado pela própria idealizadora do projeto.  O celular foi ativado através de um chip corporativo, já disponível. Essa forma de implantação foi copiada nas demais cidades que replicaram o projeto.

Entre os serviços oferecidos pela atendente virtual estão:

1- O acionamento de uma viatura (em casos em que a vítima não consiga acionar o 190);

2- Informações sobre a Lei Maria da Penha;

3- Orientações sobre procedimentos legais e proteção;

4- Instruções sobre medidas necessárias em caso de violência;

5- Agendamento de horário para efetivação da medida protetiva (que nunca ultrapassa o prazo legal);

6- Agendamento e encaminhamento para exame de corpo de delito (com envio da guia de requisição);

7- Obtenção da cópia da medida protetiva, a qual é enviada pelo celular;

8- Serviço de atendimento 24h; de maneira discreta, fácil e rápida.

“A vida da usuária melhora, ao otimizar seu tempo, encurtar distâncias e desburocratizar atendimentos que, por si só, levam a revitimização. No mais, as delegacias poderão contar com atendimento 24 horas sem a necessidade de recursos humanos e físicos” destaca Ana Rosa.

Informações Premioinnovare

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