CNJ, famosos e redes: Brasil se revolta com ‘estupro culposo’ de Mariana Ferrer

Revolta, espanto e incredulidade. Nesta terça-feira (3), as hashtags #estuproculposo e #justicapormariferrer dominaram as redes sociais, e ficaram no Trending Topics – assuntos mais comentados – do Twitter por horas. São reações de anônimos e famosos, após o “The Intercept” divulgar detalhes do julgamento do empresário André de Camargo Aranha. Em setembro passado, ele foi inocentado da acusação de estupro feita pela jovem promoter e influencer catarinense Mariana Ferrer, 23.

No parecer do caso, o Ministério Público (MP) de Santa Catarina entendeu que o empresário cometeu “estupro culposo”, quando não há intenção, interpretação aceita pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. Na sentença o magistrado escreveu: “não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente’”. Como o crime de “estupro culposo” sequer aparece na legislação brasileira, Aranha acabou absolvido no caso.

Integrante do Conselho Integrante de Justiça (CNJ), o conselheiro Henrique Ávila acionou nesta terça a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) para que abra uma reclamação disciplinar contra o juiz.

Durante o julgamento, que teve vídeos divulgados pelo “The Intercept”, Mariana acabou humilhada pelos advogados do empresário, que levaram imagens dela em fotos sensuais quando a jovem trabalhava como modelo. Um deles diz que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana, e ainda ironiza: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

A atitude fez com que a Mariana reclamasse do tratamento ao juiz. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, disse.

Especialista em ciências penais, o advogado Paulo Crosara avalia que houve um erro do Ministério Público de Santa Cataria ao qualificar o estupro como “culposo” em sua argumentação.

Crosara explica que, no entendimento do promotor, o empresário não teria sido capaz de perceber que a vítima não queria sexo com ele. Neste caso, pelo entendimento do MP, o ato praticado teria sido sem a intenção, e, por isso, foi classificado como “culposo”. Porém, como não existe “estupro culposo” na legislação, ele acabou absolvido.

“O argumento dele é desnecessário e ilógico. Qualquer um consegue saber que outra pessoa não quer manter relação sexual”, explica o especialista. Segundo Crosara, o juiz levou em consideração o fato de não terem sido levantadas provas da culpa do empresário e que foi com base nisso a decisão do juiz.

Crosara entende que, por não se tratar de uma decisão e sim do parecer do MP, dificilmente isso abrirá precedentes para que algum juiz decida pela absolvição com base nessa tese. No entanto, ele ponderou ser provável que muitos advogados façam essa alegação em outros casos parecido.

Decisão pode dificultar denúncias de casos de estupro

A tese de condição “culposa” – sem intenção – para casos de estupro pode dificultar ainda mais a comprovação desses crimes. O receio de especialistas é que vítimas, com isso, desistam de denunciar.

De acordo com a delegada da Delegacia Especializada de Combate a Violência Sexual de Belo Hoprizonte, Juliana Califf, o estupro é um crime, muitas vezes, difícil de se comprovar, pois as provas se perdem rapidamente.

“Em muitos casos o que temos é a fala das vítimas e de testemunhas. Quanto mais rápido for feita a denúncia, melhor para se comprovar o crime”, afirma Juliana, que em sete anos trabalhando na área já atou em cerca de 650 casos.

“É muito difícil uma pessoa, sem que não tivesse acontecido, ir a uma delegacia falar que foi estuprada”, afirma o advogado Criminalista e professor da PUC Minas Eduardo Milhomens.

Mendes cita tortura e humilhação em julgamento

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu que órgãos de correção investiguem postura dos agentes envolvidos no julgamento de Mariana Ferrer, em 2018, em Santa Catarina. “O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação”, postou no Twitter.

Para Paulo Crosara, a postura dos advogados de defesa do empresário são chocantes. “É uma conduta inadequada. E o juiz se omitiu. Ele preside o ato e tinha o dever de impedir o constrangimento da vítima”.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que o caso está sendo apurado em procedimento instaurado na Corregedoria-Geral da Justiça no último dia 30.

O ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas disse que as imagens eram “ultrajantes”.

Informações O Tempo

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