Vida e Saúde: Deficiência de Vitamina D pode estar relacionada a tumores de mama e próstata

Durante muito tempo, as pesquisas sobre deficiência de vitamina D concentraram-se no papel que a substância desempenha na proteção de ossos e dentes. Contudo, nas últimas décadas, o interesse dos cientistas voltou-se para a associação entre baixa dosagem desse hormônio no organismo e o aumento no risco de diversas enfermidades que nada têm a ver com o esqueleto. Como ela está envolvida na regulação do crescimento celular, no controle de inflamações e no sistema imunológico, os investigadores concluíram que a carência dessa vitamina — que não é um nutriente — poderia estar ligada ao desenvolvimento de doenças decorrentes de disfunções nesses processos, incluindo o câncer.

Dois estudos divulgados este mês indicam uma forte relação entre a baixa dosagem de vitamina D e tumores de próstata agressivo e de mama. No primeiro caso, o nível deficiente do hormônio poderá servir de biomarcador da doença, ajudando os médicos a identificar a necessidade de proceder a cirurgia de retirada do órgão. Já em relação ao câncer de mama, os pesquisadores descobriram, em ratos, que o tumor cresce mais rápido e tende a criar metástase quando a quantidade da substância no organismo está abaixo do nível ideal.

Brian Feldman, professor de pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Santford e autor do estudo sobre a vitamina D e o câncer de mama, explica que o papel do hormônio em tumores oncológicos ainda precisa ser mais investigado, mas afirma que essas associações, se confirmadas, fornecerão uma ferramenta adicional para combater e prevenir a doença. “A pesquisa que desenvolvemos no nosso laboratório e estudos anteriores sobre o mesmo tema sugerem que pessoas com risco de câncer de mama devem monitorar seus níveis de vitamina D e, com seus médicos, traçar estratégias para corrigir qualquer deficiência detectada”, diz.

O médico assinala que muitos trabalhos têm sugerido não apenas que a deficiência da substância está associada ao risco aumentado de câncer de mama, mas à gravidade dos tumores e a piores prognósticos. No estudo atual, a equipe chefiada por Feldman implantou células de tumor mamário em ratos, que foram divididos em dois grupos. O primeiro, composto por 10 animais, foi alimentado com uma dieta carente de alimentos que contêm a vitamina ao longo de duas semanas e meia. O segundo recebeu uma dosagem normal da substância. Aqueles que ingeriram o cardápio deficiente desenvolveram tumores palpáveis em média sete dias antes que os demais. Após seis semanas, em relação ao crescimento, esses cânceres eram significativamente maiores.

Feldman conta que a equipe encontrou uma ligação entre a circulação da vitamina D na corrente sanguínea dos ratos e o funcionamento de um gene chamado ID1, já associado por outros estudos ao crescimento tumoral e à metástase de mama. O hormônio, segundo o médico, aparentemente reprime a superexpressão desse gene, uma hipótese testada em humanos. Os pesquisadores da Universidade de Stanford examinaram níveis de vitamina D e da proteína fabricada pelo gene nos tumores de 34 mulheres e confirmaram que, quanto maior a circulação do hormônio no organismo das pacientes, menor a quantidade da proteína no tumor. Depois, fizeram mais um teste em laboratório; dessa vez, usando uma linhagem de células retiradas do câncer de mama humano. Sob o microscópio, observaram que a vitamina D controla diretamente a expressão do gene.

O pesquisador esclarece que também foi possível relacionar a carência da vitamina D ao espalhamento do câncer. Ratos que receberam células geneticamente modificadas para produzir poucas doses do hormônio apresentaram metástase no fígado ao longo de quatro semanas de pesquisa. Já os animais de controle não desenvolveram o problema. “Pelo menos no modelo animal, ficou bastante claro para nós (a avinculação). Precisamos fazer muitos outros estudos, mas já nos parece uma associação bastante interessante”, observa Feldman.

Fator de risco

No laboratório do urologista Adam Murphy, da Universidade de Northwestern, os cientistas encontraram recentemente uma forte relação entre baixas doses do hormônio e câncer agressivo de próstata. Essa condição se caracteriza pela migração do câncer para fora da glândula e pelo escore de Gleason, um exame que avalia o aspecto microscópico das células tumorais. Uma baixa contagem significa que o tecido do câncer é similar ao tecido normal das células e pouco propenso a se espalhar. Já a pontuação alta indica que as células estão muito diferentes das originais, podendo invadir órgãos próximos.

Como parte de uma grande investigação que vai, no fim, apresentar dados sobre a vinculação do hormônio com o câncer de próstata em 1.760 pessoas, a pesquisa publicada no Journal of Clinical Oncology incluiu 190 homens, com média de idade de 64 anos, que passaram por prostatectomia radical para remover a glândula entre 2009 e 2014. Desse grupo, 87 pessoas tiveram câncer de próstata agressivo e apresentaram um nível médio de 22,7 nanogramas por mililitro da vitamina, uma taxa abaixo da considerada normal (30 nanogramas por mililitro).

Segundo Murphy, estudos anteriores já haviam sugerido uma associação entre deficiência da substância e câncer de próstata agressivo, mas essa é a primeira vez que se comprova a relação em exames de sangue feitos pouco tempo antes de o tumor começar a se diferenciar do tecido normal, o que é visualizado durante a cirurgia de remoção da próstata.

O pesquisador Brian Feldman, da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, esclarece, porém, que pessoas com dosagem normal de vitamina D não devem tomar suplementos para aumentar os níveis. “Corrigir deficiência é uma coisa completamente diferente, feita com a supervisão profissional”, alerta. “Níveis excessivos da substância podem fazer muito mal. Há diversos estudos apontando que o excesso de vitamina D provoca danos renais e cardiovasculares, entre outros”, destaca. Superdosagens do hormônio são usadas em terapias experimentais, contudo, sempre com supervisão de médicos e cientistas, lembra Feldman.

Saúde

A zika não chegou ao Brasil na Copa do Mundo de 2014, nem em uma competição de canoagem realizada no Rio de Janeiro em agosto daquele ano, como se pensava. O vírus veio de avião e desembarcou em solo brasileiro em algum momento entre maio e dezembro de 2013 – possivelmente durante a Copa das Confederações -, segundo um novo estudo publicado nesta quinta, 24, na revista Science.

Para chegar a essa conclusão, um grupo de cientistas do Brasil, dos Estados Unidos e da Inglaterra comparou sete sequenciamentos do genoma do vírus circulante no Brasil, a partir de amostras de diferentes perfis. Conforme mostrou o jornal O Estado de S.Paulo em reportagem publicada no domingo, 20, a comunidade científica internacional está organizando uma força-tarefa para obter o maior número possível de sequenciamentos do genoma vírus zika a partir de amostras variadas. A nova pesquisa é o primeiro resultado desse esforço coletivo global.

O grupo, liderado pelo virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, analisou amostras coletadas, em diferentes Estados, de pacientes com diferentes quadros clínicos de zika: quatro pacientes que foram infectados sem maiores consequências, um paciente que recebeu sangue contaminado em uma transfusão, um caso de morte de um paciente com lupus e um bebê que nasceu com microcefalia e malformações congênitas.

De acordo com Vasconcelos, foi encontrada pouquíssima variabilidade genética entre essas várias cepas. “Isso indica que o zika foi trazido ao Brasil em uma única leva. É fortemente provável que o vírus tenha chegado ao Brasil durante a Copa das Confederações, que aconteceu entre junho e julho de 2013. Esse período se encaixa no intervalo de confiança determinado por nossos resultados, além de coincidir com o auge da epidemia na Polinésia Francesa”, disse Vasconcelos ao Estado.

Os dados filogenéticos obtidos pelo grupo de cientistas foram cruzados com dados epidemiológicos e com informações de viagens a partir de países que tiveram surtos a partir de 2012. Com isso os pesquisadores constataram que a chegada do vírus coincidiu com um aumento de mais de 50% nas viagens feitas dos focos de epidemias para o Brasil, saltando de 3.775 por mês no começo de 2013 para 5.754 um ano depois.

“O aumento de viajantes daquela área foi muito considerável, principalmente porque a Copa das Confederações teve a participação da seleção do Taiti, que fica na Polinésia Francesa que atraiu turistas daquela área. O time jogou em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em Recife. Coincidentemente, foi em Recife que tivemos o maior número de casos de zika e também de microcefalia”, afirmou Vasconcelos.

Embora tenha chegado ao Brasil entre maio e dezembro de 2013, casos de zika só foram detectados no País a partir de maio de 2015. Para Vasconcelos, a demora para a detecção provavelmente foi decorente de diagnósticos errados.

“Para entender essa demora basta lembrar que a dengue a chikungunya têm um quadro clínico muito parecido com o da zika e a maior parte dos pacientes não fazem exames. Por mais de um ano a zika deve ter avançado por vários estados enquanto era diagnosticada clinicamente como dengue ou chikungunya”, declarou.

Segundo o cientista, o vírus circulante no Brasil é geneticamente idêntico ao que causou epidemias nas ilhas do Pacífico em 2013 e 2014. Para Vasconcelos, não restam dúvidas de que o zika veio para o território brasileiro a partir da Polinésia Francesa – único outro país onde foi registrado aumento dos casos de microcefalia.

“A genética do vírus, a coerência temporal da dispersão pelas ilhas do Pacífico, do evento esportivo e do aumento do fluxo aéreo são fatores que, somados, dão uma força muito grande aos achados. Não se trata mais apenas de uma hipótese”, disse Vasconcelos.

Embora tenha desvendado a trajetória do vírus no espaço e no tempo, o estudo ainda não estabeleceu a relação causal entre a zika e a microcefalia. A análise do genoma do vírus extraído do bebê com microcefalia revelou oito mudanças em aminoácidos que compõem o código genético viral. Mas essas mutações são “sinônimas”, isto é, não alteram a estrutura das proteínas responsáveis pela patogenia do vírus.

“Para confirmar se essas mutações têm relação com a ocorrência de casos de microcefalia será preciso fazer estudos em modelos experimentais, comparando o genoma de uma cepa que tenha essas mutações a outra que não as tenha”, explicou Vasconcelos.

Segundo o cientista, o estudo tem limitações por comparar apenas sete sequenciamentos. “Ainda temos poucas amostras. Com elas, conseguimos desvendar a origem e o período de introdução do vírus. Mas todos os sequenciamentos estão disponíveis para estudos de outros pesquisadores, que poderão estudar se as mutações descobertas são suficientes para causar os problemas de má formação congênica”, afirmou.

De acordo com Vasconcelos, quanto mais cepas variadas do zika forem sequenciadas, melhor será a compreensão sobre a virulência do vírus. “Os dados genômicos também abrem perspectivas para o desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, para a modelagem de novas drogas e para a produção de vacinas.”

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