Cultura: padre Júlio apresenta a vida de Monsenhor Gonzalez na Academia de Letras de Manhuaçu

padre Júlio

Fotos: Carlos Henrique Cruz, Manhuaçu (MG)

Academia de Letras Padre Julio Abr 2014 (55) (1)Academia de Letras Padre Julio Abr 2014 (1)Padre Júlio Pessoa Franco, sacerdote sacramentino exemplar, homem justo e de bom coração, dedicado à igreja e às causas por ele defendidas. Cidadão voltado para o bem e o amor ao próximo!

Padre Júlio Pessoa Franco, homem importantíssimo para a comunicação em Manhuaçu e na região por ter vencido com trabalho, maestria e coragem os desafios no setor. Tornou a Rádio Manhuaçu AM, com apoio de seus colaboradores vivos  e já falecidos, uma das melhores emissoras do interior de Minas Gerais, em alcance e em programação. Diretor do Jornal Tribuna do Leste, semanário com 4 décadas de história. Há cerca de 3 décadas fundou a Rádio Nova FM, emissora de grande prestígio.

Padre Júlio Pessoa Franco, membro de uma das cadeiras da Academia de Letras de Manhuaçu, escreveu  uma biografia resumida da vida de Monsenhor José de Maria Gonzalez, um sacerdote que enfrentara o preconceito, a desconfiança, poucos recursos e dificuldades da primeira metade do século XX, para construir a nova igreja matriz de São Lourenço, templo majestoso inaugurado em 20 de setembro de 1928, com jubilosa comemoração até do dia 23.

Padre Júlio Pessoa Franco, após um bom tempo de pesquisa, apresentou o texto na Academia de Letras na  última segunda-feira, 28/04.

Leia o texto na íntegra

monsenhor gonzalez

Retrato restaurado pela artista plástico Fabrício Santos, Manhuaçu (MG)

Monsenhor José de Maria Gonzalez, filho de mãe negra e pai desconhecido,  possivelmente filho de escravos, nasceu aos 20 de outubro de 1875, no distrito de Catas Altas de Mato Dentro, hoje município de Catas Altas (emancipado de Santa Bárbara – MG); sua infância humilde passou-a na obscuridade da pobreza, sem perspectivas de futuro promissor. Jovem gentil e religioso, fez-se amigo e dedicado auxiliar do vigário da vila, Monsenhor Manuel Mendes de Vasconcelos.

Posteriormente, Gonzalez conviveu com o Cônego Arnaldo Marques, que descobriu nele excepcionais qualidades morais e espirituais e a possibilidade de encaminhá-lo para o seminário de Mariana.

O jovem Gonzalez ficou eufórico com o ideal de um dia poder subir ao altar do Senhor como sacerdote. Contudo, logo pareceu-lhe frustrado o que tanto alegrara o seu coração. Pobre e sem a necessária ajuda financeira, sua permanência no seminário tornou-se impossível. Triste, mas não desalentado, aproveitou o que aprendera no seminário dedicando-se com carinho ao magistério primário e ao comércio, no então arraial do São João de Matipó. Acomodou-se, sem dificuldade, a essa nova situação, participando com assiduidade ativa na comunidade, sem descurar seu amor à Igreja. Piedoso, despertou a atenção e a amizade do vigário local, valendo-lhe a simpatia do arcebispo de Mariana, Dom Silvério Gomes Pimenta, por ocasião de visita pastoral.

Gonzalez, que há sete anos deixara o seminário, foi convidado, por este, a abandonar seus interesses atuais e retornar aos seus estudos acadêmicos, necessários para o sacerdócio.

Contudo, surge outra pedra no caminho de Gonzalez: não conseguindo vaga em Mariana, teve de encaminhar-se ao seminário de São José do Rio Preto (SP), até que pudesse retornar ao seminário de Mariana, concluindo aí sua preparação às ordens sacras. Finalmente, cheio de alegria e esperanças, foi ordenado sacerdote, a 20 de março de 1910, por Dom Silvério Gomes Pimenta.

Sacerdote e animado de extraordinário idealismo foi enviado a Manhuaçu para auxiliar o vigário Padre Lucas Evangelista de Barros. Após três meses, teve a satisfação de ser transferido para Santa Margarida, onde gozaria da convivência do velho amigo e incentivador de sua vocação o Cônego Arnaldo Marques. Esteve também, por algum tempo, coadjuvando o Cônego Filó, em Carangola. Em 1911, foi nomeado para exercer o seu ministério sacerdotal como responsável pela freguesia de Santo Antônio do Chiador, distrito de Mar de Espanha (desde 1953, município de Chiador). Era lugar pobre; ali teve de cultivar a terra, para o seu sustento. Após curta estadia nesta paróquia esteve, por quatro anos, à frente da Paróquia de São Sebastião da Barra, hoje um lugarejo no município de Espera Feliz.

Em 1916, Dom Silvério, em visita pastoral, a 1º de agosto, foi recebido com muita alegria e demonstrações de amor pelo povo que tinha a orientá-lo o Padre José de Maria Gonzalez. O arcebispo teve a oportunidade de conhecer o ardor pastoral do humilde e piedoso sacerdote, que não media dedicação para servir o pequeno rebanho a ele confiado. “Pelo dedo se conhece o gigante”, deduziu.

Gonzalez era o Padre que precisava para Manhuaçu. Por provisão, assinada a 28 de Junho de 1917, o arcebispo nomeou-o vigário de Manhuaçu. A paróquia, instituída canonicamente a 15 de fevereiro de 1878, por provisão de Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, Bispo de Mariana, desmembrando-a de Santa Margarida, ressentia de maior dinamismo pastoral.

O novo pároco, logo nos primeiros dias, tomou consciência de que se encontrava em uma comunidade religiosa dócil, mas acomodada. Não faltavam boa vontade, oportunidades e meios para levar a frente anseios em prol do bem comum. Faltavam coragem, liderança, decisão.

 Bispado da Mata

Há quatro anos, na data comemorativa do patrono da paróquia, o mártir São Lourenço, o vigário, Padre Lucas Evangelista de Barros, reunira-se com seletos personagens da cidade. Era oferecida a Manhuaçu a oportunidade de ser a sede do Bispado da Mata, a ser criado na região. Em vez de ir a campo para conseguir a concretização da benfazeja proposta, a paróquia passou a decisão à Câmara Municipal. Como era natural, esta não assumiu a proposta. A oportunidade, recusada por Manhuaçu, foi aproveitada por Caratinga, liderada pelo extraordinário líder Monsenhor Aristides Rocha, que, com o seu extraordinário dinamismo, abraçou a causa, levando para ali a sede da diocese.

Na oportunidade, a comissão presidida pelo Padre Lucas Evangelista de Barros desistira da proposta, alegando que volveria doravante suas vistas exclusivamente para a reconstrução da igreja matriz. Contudo, passados quatro anos, o novo vigário só encontrou em caixa minguados 272$000 (duzentos e setenta e dois mil réis) e nada fora feito em prol da prometida reconstrução da igreja matriz, edificada, há cerca de 43 anos, com paredes pelo velho sistema do “pau a pique”, madeira e barro. Esta achava-se  em lastimável estado de conservação.

Construção da nova matriz

Gonzalez decidiu não levar adiante o projeto de reconstrução da velha igreja. Era preciso partir para algo mais, olhar para o futuro, uma nova matriz. Imediatamente, comunicou ao Arcebispo de Mariana sua intenção. A 1º de Agosto, 23 dias após sua posse, o arcebispo lhe comunicou oficialmente: “Havemos por bem lhe conceder licença, como pela presente lhe concedemos, para que possa proceder à demolição da igreja matriz da referida freguesia, a fim de reconstruí-la a tijolos”. O vigário falou ao povo de seus propósitos. Foi surpresa geral. Provocou conversas e reuniões para debater a ideia. As opiniões foram as mais diversas a favor e contra. Gonzalez, todavia, insistiu: “Está aprovada a nova construção. É a hora de enfrentar o trabalho. Temos de ir à frente”.

Com inexcedível fé e perseverante vontade e firmeza, o vigário procurou unir a população em prol do sublime propósito com vistas ao amanhã que sonhava, ainda, que com muito sacrifício.

Enfrentando a discriminação racial

Urgia vencer preconceitos de quantos julgavam que era impossível levar a bom termo a proposta de Gonzalez. “Se outros padres não conseguiram sequer reconstruir a velha matriz, não há de ser um padre preto, tocador de clarineta em Matipó que irá levantar uma nova igreja aqui (sic), dizia alguém com ares de importante, que o conhecera muito bem, naquela cidade, e o tinha simplesmente como um creolinho pobre” (Conf. História Sentimental de Manhuaçu, de F. Paula Andrade, págs. 123 e 149).

É natural que Monsenhor Gonzalez sentisse profundamente o pessimismo com que muitos encaravam sua firme decisão de legar a Manhuaçu uma igreja matriz digna do futuro que ele ambicionava para a cidade.

Ele ficava sabendo do pessimismo, descrença e declarações pejorativas de sua pessoa e chegou a lamentar em homilia: “Não tem faltado quem em mim veja o mesmo músico de outrora, despido de brilho social, de epiderme negra e mal vestido. Ora, não tenho por missão as aparências, senão, exclusivamente, predicar o Evangelho, no qual encontramos alívio às dores físicas e morais” (obra cit. pág.123).

A pedra fundamental

Com firme decisão, pisando o espírito derrotista de falsas lideranças ao celebrar a festa de São Lourenço, a 10 de agosto de 1917, Gonzalez lançou solenemente a pedra fundamental da nova matriz.

Era fato consumado. Era o início. Não ficaria nisto. “Precisamos de pedras para os alicerces, tijolos para as paredes. A igreja é para o povo. Ele merece a igreja. Ela será bonita realidade, para a glória de Deus e alegria para todos nós”, explicava Gonzalez.

Homem calejado, em amargas e repetidas batalhas, por nobres ideais alimentados anos e anos, partiu firme para a concretização da árdua tarefa que se propunha.

Sem recursos financeiros em caixa, mas com humildade e total confiança no povo, estava convicto de que, sem este, nada conseguiria, mas que, com o povo, tudo seria possível. O dinheiro existia, o povo o possuía. Bastava libertá-lo de bolsas trancadas pelo pessimismo; convencer a comunidade que a união de propósitos iria gerar a realidade de um bonito sonho.

Assim, com inexcedível disposição para libertar a comunidade do desânimo, ajudá-la no encalço da meta almejada, Monsenhor conseguiu reunir pessoas bem alinhadas com seu pensamento e lançou-se ao trabalho.

Unidos no mesmo ideal

A partir de então, falou o escritor Francisco de Paula Andrade: “Manhuaçu acompanhou carinhosamente sua vida, que foi um catecismo vivo de religião e civismo”. (obra cit.)

Viu-se assim o povo unindo-se, sem qualquer discriminação, olhando para a meta comum, homens e mulheres, jovens e adultos, pobres e ricos, irmanados, esperançosos, porfiando ativos pela mesma causa, certos de que um sonho transformar-se-ia em realidade. Afinal, convenceram-se de que seu pároco não era um visionário qualquer, mas alguém capaz de ajudá-los a transformar seus propósitos em magnífica realidade. A humildade, modéstia e bondade, o levavam a valorizar os dons e qualidades de todos e o transformaram em líder carismático, tenaz e lhe conquistaram a admiração e amizade de seus paroquianos.

O jornal “O DEMOCRATA”, por ocasião do aniversário de Monsenhor, em 1933, em edição de outubro, lembrava suas qualidades para aglutinar forças em torno de seus projetos: “Envolto na candidez da mais edificante modéstia, ele soube ser energético na resolução dos seus múltiplos problemas e incansável na execução de sua imensa obra de sacerdote e de vigário. É pedindo meigamente que Monsenhor sabe mandar; é aconselhando com doçura que costuma corrigir; é tendo nos lábios um sorriso de indulgência que, às vezes, repreende”. E ainda: “A verdade, a modéstia, a sinceridade, são suas armas favoritas”. “Monsenhor só abraça as nobres causas; só deseja o progresso de sua paróquia e da comarca eclesiástica de que é forâneo; só quer o desenvolvimento religioso de seu povo, o aperfeiçoamento sempre crescente da sua Igreja”.

Contudo, Monsenhor Gonzalez não era alguém que apenas falava, aconselhava e incitava outros para assumir o peso do trabalho. Não! Ele era o primeiro a arregaçar as mangas e se lançar ao projetado nas reuniões, com cativante convicção de que a obra era de todos e que, só assim, chegaria a realizá-la e ela seria mérito e vitória de todos. Gonzalez não se acomodava. Partia vigoroso para a ação. Era visto na zona rural, cavalgando debaixo de sol ou chuva, de casa em casa, em incansável batalha de animação, convencimento, levantando ânimos em prol da obra em andamento.

Por ocasião das festas das comunidades, aconteciam animadas barraquinhas, com leilões, bandas de música da cidade e de outras localidades, provocando confraternização, alegria e meios para a manutenção das obras da matriz.

Um ano se passara desde o lançamento da pedra fundamental e outros três do início das obras; os alicerces estavam bem firmes no chão, as paredes projetavam-se para o alto.

Em quatro anos anteriores ao seu início, as economias da paróquia tinham atingido apenas 272$000 (duzentos e setenta e dois mil réis); agora, em quatro anos, Monsenhor teve a satisfação de apresentar balancete mostrando a vultosa soma de 72.152$960 (setenta e dois contos, cento e cinquenta e dois mil e novecentos e sessenta réis). As despesas estavam pagas.

A febre espanhola

Na verdade, não foi sem tempestades o início das atividades pró-matriz. O trem de ferro, que inequívoco sopro de otimismo trouxera para a região, provocou também borrasca, trazendo a Manhuaçu o terrível vírus da febre espanhola que,  no final da guerra mundial de 1914 a 1918, transformou-se em pandemia, causando mortalidade global, com terríveis estimativas de mais de 20 milhões de vítimas no mundo, mesmo em países adiantados como a Itália (375.000 mortos) e Inglaterra (255.000 mortos). Seu vírus chegara ao Rio a bordo de navios procedentes da Europa e apenas em um mês (13 de outubro a 15 de novembro de 1918), causara 14.348 mortes naquela metrópole, e se propagara por todas as grandes cidades do país.

Manhuaçu, sem hospital nem infraestrutura de saúde capaz de enfrentar a peste, viveu inexorável caos. Vítimas, dia a dia, provocavam luto, miséria e desespero, nas famílias; a grande tentação para evitar contágio era se fechar nas casas, se isolar ou fugir; a cidade tomava aspecto fúnebre.

Monsenhor Gonzalez não trepidou lançar-se com ânimo e abnegação extrema a socorrer aqueles que eram vítimas da pavorosa e inclemente moléstia.

Abriu as portas da igreja para atender a todos, sem qualquer discriminação! A muitos pareceu imprudente loucura de compaixão, para não deixar alguém abandonado, no momento em que, para muitos, prevalecia o “salve-se quem puder”. Contudo, o bom pastor não abandonou suas ovelhas. Ei-lo, pois, com suma abnegação pessoal, feito enfermeiro, percorrendo ruas e vielas, com dedicados companheiros carregando latas de mingau e vasilhas com forte chá de melão de São Caetano, planta muito comum na região, que tem extraordinária eficácia para baixar a febre, insistindo para todos tomá-lo. Assim, como podia, enxugava lágrimas de famílias desesperadas diante da morte de pessoas queridas, procurando, com inesgotável dedicação, amenizar o sofrimento de muitos que se desesperavam no desamparo, quando grassava generalizada a aflição com tantas perdas. No fim de 1919, a febre desapareceu e voltou a bonança à comunidade.

A comunidade unida vai à frente

Afinal, Gonzalez, formado no embate de tantas pelejas, de perseverança denotada, contemplando pertinaz o alvo a alcançar, jamais decaía em seu ardor otimista e se desdobrava em novas iniciativas positivas, alimentando esperança e certeza de que agradável história estava para acontecer. A obra saía do chão e subia dia a dia, provocando otimismo  e silenciando vozes derrotistas.

Em suas andanças, Monsenhor, geralmente, levava consigo seu dedicado amigo João Cipriano (funcionário escolar), velho conhecido do povo que o ajudava a angariar os donativos e transportá-los em animais de carga para Manhuaçu. Seu coração expandia-se em indizível alegria ao sentir a generosidade de quantos entendiam o sacrificado amor a Deus e a seu povo que o levava às intermináveis caminhadas de peditórios. Agradecia tanta compreensão, com expansões de alegria, pois jamais voltava decepcionado pela generosidade do povo.

Em heróica rotina de campanhas e mais campanhas, Monsenhor não deixava o desânimo abater o sonho de, um dia, entregar à comunidade, na praça central da cidade, majestoso templo que alegrasse a alma de um povo bom e de ideais nobres que lhe eram propostos.

Após 11 anos, desde o lançamento da pedra fundamental, a arrecadação financeira alcançava a soma de 393.017$150 (trezentos e noventa e três contos e dezessete mil e cento e cinquenta réis), tendo, todavia, uma dívida final a pagar no valor de 67.787$000 (sessenta e sete contos, setecentos e oitenta e sete mil réis), conforme prestação de contas da comissão construtora, no final da construção, em 1928.

Não foi em vão a tenacidade de longos anos de labutas incansáveis que consumiam não apenas seu tempo, mas esgotavam suas energias físicas.

Após a longa jornada, dia a dia, vencendo a descrença e provocando a confiança de quantos comungavam de seus anseios, Monsenhor contemplava os últimos acabamentos, a pintura externa e interna do já majestoso templo. O renomado artista Ângelo Biggi ornava as paredes internas do templo com inspiradas representações da emocionante vida do heróico patrono da paróquia, o mártir São Lourenço, despertando já admiração e emoção.

Parecia incrível, mas era o momento de abrir as portas do templo aos fiéis, proporcionando-lhes ambiente decente e condigno para vivenciar sua fé e piedade, encontrando no seu aconchego, que já convidava à elevação da alma e dos sentimentos ao Senhor, bálsamo consolador e força para a vida de cada dia, nas trilhas do evangelho.

A inauguração jubilosa

Circunstâncias imprevistas impediram que a inauguração da nova matriz acontecesse, como era desejo do Monsenhor, no dia do patrono cidade, São Lourenço, 10 de agosto, onze anos desde o lançamento da pedra fundamental. Todovia, extensa programação foi elaborada, conforme a possibilidade de honrosos convidados, e fielmente vivida, nos dias 20 a 23 de setembro ano de 1928.

No primeiro dia, 20, Dom Carloto Távora, Bispo da Diocese, presidiu a soleníssima inauguração, com assistência de Dom José Pereira Alves, Bispo de Niterói, Dom Justino José de Santana, de Juiz de Fora, 25 sacerdotes e autoridades locais e regionais.

A igreja não comportou a grandiosa presença de fiéis nos quatro dias da grandiosa festa de regozijo e ações de graças.  Foram momentos marcados por celebrações pontificais e  missas, com a presença de bispos, sacerdotes e numerosa participação de fiéis.

Além das celebrações realizadas, aconteceram sessões dedicadas à cultura e a assuntos importantes na vida da Igreja. Marcaram presença, nestes dias, conferencistas convidados, como Monsenhor Aristides Rocha, Vigário Geral da Diocese, Padre Cândido Lizardo, Cônego Antônio Sanlas, Frei Marcelino, O.F.M, e Padre Júlio Maria de Lombaerd, que, naquele ano, fundou a congregação dos Missionários Sacramentinos.

Foi notório o fato de Monsenhor Gonzalez não se mostrar completamente realizado, ao ver inaugurada a monumental igreja matriz de seus sonhos e o inimaginável êxito das festividades. Ele fez questão de permanecer na penumbra, tendo modesta participação nas solenidades.

A matriz estava pronta, mas restavam 67.787$860 (sessenta e sete contos, setecentos e oitenta e sete mil e oitocentos e sessenta réis) a pagar. Não cantaria sua missa de ação de graças senão depois de zerar o último tostão das despesas da obra.

Visitador Diocesano

A 20 de Março de 1930, atarefado com os afazeres paroquiais, ainda em intensa campanha para liquidar as dívidas restantes da construção da matriz, Monsenhor Gonzalez foi surpreso, com portaria de Dom Carloto Fernandes Távara, nomeando-o Visitador Diocesano.

O Bispo, com a saúde debilitada, nomeava Monsenhor, para, em seu nome, “visitar as comunidades da diocese, anunciando o Evangelho em seu nome, ministrando o sacramento da confirmação, levando conforto e ânimo ao povo”. O Bispo se dispôs a permanecer em Manhuaçu durante sua ausência em viagens nesta nova função.

A 30 de Abril, Monsenhor partiu para cumprir a estafante missão, que se estendeu pelos anos de 1930, 31 e 32. Nestes três anos, visitou, com intensa dedicação, 91 localidades, entre cidades, distritos e pequenos povoados. As viagens eram a cavalo e o visitador permanecia, em cada lugar, um ou mais dias dedicando-se a pregações, catequeses e administração de sacramentos.

No final de 1930, com muita alegria, agradeceu ao Bispo a nomeação do jovem Padre Antônio Galdino para ajudá-lo, pois suas constantes viagens prejudicavam a assistência à paróquia.

Depois das árduas visitas pastorais, encerradas no dia 02 de novembro de 1932, com grande sucesso, Monsenhor pôde voltar a suas atividades, intensificando sua presença junto às associações religiosas e conclusão do pagamento do restante da dívida da matriz.

Consultor Diocesano

Em ato assinado no dia 31 de dezembro de 1932, Dom Carloto Távora nomeou, com mérito, Monsenhor Gonzalez membro do Conselho Diocesano de Consultoria da Diocese, para participar das decisões mais importantes do governo da Diocese.

Aleluia, Aleluia…

Em maio de 1932, Monsenhor Gonzalez, por ocasião do Mês de Maria, comunicava aos paroquianos que ainda devia 12 contos, acrescentando: “Estou vendo que morro sem terminar a minha tarefa.” Contudo, praticamente neste ano, conseguiu levantar o suficiente para, finalmente, saldar o débito. Isto valeu a Monsenhor um grande alívio em suas preocupações e muita alegria a todos os paroquianos.  O que parecia impossível fora superado, com fé, esperança e união de forças.

Assim encerrava-se, em grandiosa e benéfica realidade, a obra da construção da igreja Matriz de São Lourenço. O balanço final da obra acusou um custo total de 487.480$010 (quatrocentos e oitenta e sete contos, quatrocentos e oitenta mil e dez réis).

Finalmente, com imensa satisfação, raiou o dia de extravasar efusivas ações de graças pela vitória sobre pessimismo, preconceitos, desconfianças, incompreensões, desânimos, alcançando o alvo que se propôs, para a glória de Deus e serviço a seu povo.

O dia tão sonhado aconteceu a 10 de agosto de 1933, dia de São Lourenço. Dom Carloto Távora, seu amigo e incentivador, quis estar presente; também compareceram seus bons companheiros e ex-colaboradores na paróquia, o Pe. Antônio Galdino, vigário de Santa Margarida, que, com entusiasmo, se encarregou de dirigir a orquestra e o coral. O Pe. José de Paula Araújo, levou o clima da celebração a extrema emoção, ao lembrar os passos heróicos do tenaz batalhador da Fé.

Com empolgada eloquência, lembrou: “O material mais importante, usado na monumental casa do Senhor, foram suas energias, sua saúde, toda a vida do dedicado construtor, hoje apenas uma sombra do início de seu glorioso paroquiato.”

Monsenhor não conteve as lágrimas. Emocionado, elas deslizaram copiosas pela sua face e, não menos, pelas de amigos e admiradores fiéis.

Finalmente, neste dia. 16 anos após o lançamento da pedra fundamental, tranquilo por ter consciência de que nada mais devia, Gonzalez escreveu: “A matriz ali está de pé na sua majestosa imponência e na elegância de suas linhas, para dizer a todos do esforço, da dedicação e operosidade do grande povo de Manhuaçu, cuja energia, vós, exmos. Srs., sonhastes… É o marco milionário de minha felicidade e, ao mesmo tempo, assinala a confissão pública que vos faço… Resta-me, exmos. Srs., o consolo e a felicidade de poder emitir, à vontade, os cheques de minhas orações contra o banco inesgotável do Coração de Jesus”.

A partir de 1933, Monsenhor Gonzalez, em suas anotações no livro de tombo da paróquia, deixa clara sua vontade de intensificar suas atividades pastorais, maior presença e assistência às associações que sempre mereceram seu especial carinho, como forças vivas no avivamento espiritual da paróquia. Ele as incentiva, considerando-as fermento do evangelho para dar ânimo e alegria à comunidade em geral. Elas foram benéfica força de apoio para a construção da igreja matriz e  sempre o apoiaram na promoção das festas populares realizadas com muita frequência, em que convidava pregadores especiais e eram encerradas com solenes celebrações, com missas cantadas, embelezadas por corais, cuja organização incentivava e que se apresentavam em até a quatro vozes.

Em seu tempo, floresceram na paróquia cerca de 10 associações religiosas, que promoviam a perfeição cristã de seus membros, com a participação ativa na comunidade. Elas se destinavam a meninas, Santos Anjos; meninos, São José; moças, filhas de Maria; rapazes e homens, Liga católica; Jesus, Maria e José (esta contou com 468 membros); piedade de seus membros, Nossa Senhora do Carmo; Santa Terezinha, vocações Sacerdotais; ajuda aos pobres, Vicentinos; devoção ao Sagrado Coração de Jesus; sofredores, encarcerados, Ordem de Nossa Senhora das Mercês.

Apoio à Cultura

Dois corais nascidos, com o incentivo e apoio de Monsenhor Gonzalez, tiveram pujante participação nas celebrações da paróquia e em outras oportunidades, durante muitos anos: Coral Santa Teresinha do Menino Jesus, dirigido pelo competente Maestro Philomeno dos Santos, e Coral Santos Anjos, regido pelo sacristão Pacífico de Oliveira, com muita dedicação.

A Banda “Santa Cecília”, regida pelos Maestros Philomeno dos Santos e Etelvino Osório Guimarães, sempre recebeu incentivo do pároco pela sua eficiente e brilhante atuação nas festas da comunidade.

Colégio

Preocupado com os jovens de famílias pobres, Monsenhor Gonzalez alimentou o desejo de fundar um colégio destinado a lhes proporcionar oportunidade de estudar, além das primeiras letras. O colégio teria o nome de São José. Infelizmente, não conseguiu o indispensável apoio a seu importante projeto social.

Deu seu firme apoio para a fundação da Escola Normal, na cidade, em 1929. No ano seguinte, planejando facilitar às jovens da região estudar neste importante estabelecimento de ensino, fundou um pensionato, proporcionando-lhes boas acomodações, sob a direção de religiosas, tendo convidado as irmãs sacramentinas, de Manhumirim, para dirigi-lo. Contudo, fracassou em seu intuito, tendo inclusive prejuízo financeiro e dissabores, desistindo do projeto no início de 1933.

Jornais

Em 1918, fundou o jornal São Lourenço. Através de suas páginas, informava aos paroquianos todos os acontecimentos da comunidade. Orientava e estimulava a vivência ativa e perseverante da prática das virtudes cristãs.

Editou o jornal “Relógio Paroquial” com tiragem de apenas 250 exemplares, dedicado à formação religiosa e que era distribuído gratuitamente, aos domingos.

Sem datas fixas, publicou uma revista com o nome “Flor de Maio”. Frequentemente convidava pregadores especiais para participar das festas da paróquia e promovia semanas de estudos sobre assuntos pastorais, como a importância e responsabilidade de família.

Consultor diocesano

Após a morte de Dom Carloto Fernandes Távora, a 27 de novembro de 1933, atropelado em lamentável acidente de carro no Rio de Janeiro, o novo bispo, Dom José Maria Parreira Lara, tomando posse da Diocese a 06 de janeiro de 1935, nomeou novamente Monsenhor Gonzalez consultor diocesano, função que procurou exercer com espírito generoso, sem descuidar seu rebanho.

Retirada para cuidar da saúde

Monsenhor sentiu que era hora de cuidar da saúde, pois começava a sentir sintomas de cansaço e repetidas dores de cabeça que o obrigavam a repouso em quarto escuro por várias horas. Não conseguindo debelar o mal em Manhuaçu, pediu licença de três meses e foi ao Rio de Janeiro em busca de tratamento deixando a paróquia sob os cuidados de novo auxiliar, Padre Rivadávia, a 31 de março de 1938.  Contudo, como se agravasse seu estado de saúde e lhe faltasse ânimo, pediu mais três meses de licença, no mês de agosto.

Finalmente, no dia 11 de novembro, percebeu que sua saúde não lhe permitia reassumir, com eficiência, as funções da paróquia. Com pesar, mas visando o bem maior da paróquia, decidiu passar o cargo a outro padre, fazendo penhorado agradecimento ao Pe. Rivadávia pela caridade que usou para com ele e pedindo ao Senhor que o abençoasse, assim como a todos os seus queridos ex-paroquianos.

Últimos dias

A dor de cabeça crônica e insuportável o obrigou a procurar recurso, outra vez, no Rio de Janeiro.

Escrevendo a amigos, comunicava seu estado de saúde e como os médicos não conseguiram diagnosticar os motivos de seu sofrimento. Antevendo que chegava o momento de sua morte, confidenciou o seu desejo de ser sepultado do lado esquerdo da matriz, em Manhuaçu.

No dia 24 de novembro, o Pe. Rivadávia recebeu telegrama do Asilo São Luiz do Caju, no Rio, onde se achava o Monsenhor, comunicando que o mesmo se achava passando muito mal.

Pe. Rivadávia concluiu que era momento de se prevenir para a possibilidade de sua morte, que se manifestava iminente.

Comunicou-se com o prefeito Dr. José Feres e com lideranças locais, para dialogar a respeito do desejo do Monsenhor.

Parecendo difícil levantar o valor orçado para o transporte de seu corpo para Manhuaçu, sete contos e quinhentos mil réis (7.500$000), o Pe. Rivadávia e o Sr. Pacífico procuraram pessoalmente conseguir o valor, mas só conseguiram um conto de réis.

Morte no Rio de Janeiro

No dia 25 de novembro de 1938, às 13h, Pe. Rivadávia recebeu a notícia fatal. Monsenhor falecera, no Abrigo São Luiz. Não sendo possível transportar seus restos mortais para sepultamento, conforme tanto desejara, o mesmo aconteceu no Rio. Posteriormente, seus ossos foram sepultados na igreja matriz de Manhuaçu.

Imediatamente a matriz se enlutou, os sinos choraram, em dobre fúnebre, a morte do imortal amigo e benfeitor de Manhuaçu, o incansável batalhador pela construção da matriz e tantas iniciativas em prol da comunidade.

Por ocasião da missa de Requiem, no 7º dia de seu falecimento, concelebrada pelo Pe. Rivadávia e vários sacerdotes amigos, numerosa multidão presente na igreja matriz exprimiu sua dor pela morte de seu amado vigário falecido.

O Pe. Antônio Vieira Coelho, em comovente oração fúnebre, exaltou a dedicação heróica do Monsenhor ao supremo ideal de servir, no amor a Deus e ao povo, em cada pessoa: “Padre Gonzalez era um padre segundo o coração de Deus.” “As obras que deixou são uma prova patente de sua ação como pároco e cidadão engajado nesta cidade. Pobre como viveu, Monsenhor Gonzalez morreu”.

Memória perenizada

A cidade, que Monsenhor Gonzalez amou e honrou com sua vida, pereniza sua saudosa memória não só com o cuidado em conservar com carinho a igreja matriz que lhe consumiu as melhores energias, mas também dando seu  nome ao mais tradicional de seus grupos escolares, o Grupo Monsenhor Gonzalez, no centro da cidade, e a importante rua, junto a igreja matriz, Rua Monsenhor Gonzalez.

Testemunhos

“A verdade, a modéstia, a sinceridade, a dignidade e a simplicidade, são as suas armas favoritas na vida, todas elas a serviço de uma alma formosíssima” (Jornal “O DEMOCRATA”, edição de 20/10/1933, lembrando os 58 anos de Monsenhor Gonzalez).

“Sacerdote ninguém o excedeu no exercício discreto e humilde da caridade cristã e na simplicidade do bem a fazer. Cidadão, devotou ao progresso desta terra todas as energias e toda a capacidade realizadora do seu temperamento dinâmico” (Maria de Lucca Pinto Coelho).

Por ocasião do 85º aniversário de Manhuaçu, Maria C. Carvalho de Souza, em artigo publicado no jornal “A Notícia”, de 05/11/1962, com o título “Monsenhor Gonzalez”, escreveu: “A vossa obra é imperecível, Monsenhor; podem passar o tempo, os vendavais, as gerações, os costumes, que a semente lançada germinou, cresceu e os frutos aí os tendes no coração piedoso desta gente que hoje, genuflexa, diante de vosso mausoléu, vem trazer-vos a homenagem carinhosa de saudade e gratidão.” E citava Santa Teresinha, no leito da morte: “Não estou morrendo; estou entrando na vida”.

Na parede externa da igreja matriz, ao lado de seu jardim, em placa fixada sob seu busto, numa homenagem do município de Manhuaçu, lê-se: “Não morre quem soube viver”.

Padre Júlio Pessoa Franco – Imortal da Academia de Letras de Manhuaçu – 28 de abril de 2014

Postado por Luiz Nascimento – com autorização do autor

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